quarta-feira, 12 de novembro de 2014

No meio fio 2

Mais de um ano se passou. E continuo vendo-a diariamente. Já a sinto como alguém conhecido, familiar. Todo dia ela está ali, no meu caminho como uma pedra, um obstáculo que me incomoda, que me sacode, me machuca, me sufoca.

Mas, hoje ela não dormia, nem olhava ao longe, nem arrumava suas coisas, nem costurava seu velho cobertor.
Hoje, uma tarde gelada e chuvosa, na saída do Elevado que dá para o Largo do Arouche, sem calçada ou cobertura, com os pés expostos na via pública, vestindo uma camiseta regata, com seus grossos braços grandes e negros de fora, ela segurava uma caneta, e escrevia...

Alheia à chuva que molhava o papel, alheia ao frio e aos carros que, como o meu, poderiam passar por sobre suas pernas, ela simplesmente, escrevia...
Alheia à miséria, ao descaso, ao abandono. Alheia à falta de sol, de abraço, de afeto, de comida. Alheia à falta de dinheiro, de roupa, de amparo. Alheia à falta de ar... ela produzia uma abundância de palavras.

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