sábado, 26 de maio de 2012

No meio fio


Todos os dias eu a vejo por poucos segundos no caminho do trabalho. Me intriga o lugar que ela escolheu como casa. O meio fio sem calçada da saída do Elevado que leva ao Largo do Arouche. Por vezes, temo que, dormindo, ele role para a pista.

Escolher talvez não seja o termo correto, na verdade, falta de escolha. Mas, penso: há tantos lugares cobertos, protegidos da chuva e dos carros. Por que ali? Será mais seguro do ataque de outros moradores de rua, ou mesmo de policiais ou jovens de classe média que têm como diversão humilhar quem já perdeu tudo.  

Outro dia a vi acordada, sentada em seu cobertor. O olhar alcançava o nada. Talvez lembrasse um passado dolorido (mais?) ou até mesmo memórias boas de um tempo que se foi. Seu olhar era tão vazio, que nem sequer pedia socorro.

Terá filhos, netos, irmãos, parentes.... amigos?

Velha e obesa, imagino que provavelmente tenha problemas de saúde, mas certamente nada pior do que a solidão e a falta de um lar. Terá sido abandonada? Terá abandonado? Penso que pode ter problemas mentais ou os tenha quem a observa todo dia como eu e nada faça.

Mas, ontem ela não estava. Só o cobertor permanecia lá. Imagino as milhares de coisas que podem ter-lhe acontecido, inclusive o pior, nada!