Uma conversa de bar e lá vou eu, link de memória
acessado, viajar para um tempo muito feliz, o tempo da escola. O papo girava em torno do interesse de uns em, um dia
pais, eles mesmos ministrarem a educação escolar de seus filhos em casa, como
alguns casos em países europeus ou nos Estados Unidos, que ouvimos falar.
Na hora, manifestei minha indignação e revolta com
tamanha decisão. Acho que fui até mesmo um pouco radical ao defender minha
opinião, dizendo que seria muita pretensão os pais acharem que detêm todo o
conhecimento que é ministrado na escola, para transmitir aos filhos.
Mas, para mim, essa questão vai muito, muito além de
conhecimento formal a ser transmitido, matérias, tabuadas, mapas mundis,
tabelas periódicas, fórmulas matemáticas, redações, gramática.
A escola é o momento de socialização da criança, primeiro
momento em que ela se encontra como ser individual dentro de um coletivo que
não é sua família. Primeira vez na vida em que ela não tem a proteção (no bom e
no mau sentido) dos pais, avós, tios, irmãos, babás. É o primeiro momento dela
consigo mesma e dela com o mundo.
Uma das minhas primeiras memórias de infância é justamente
a minha ansiedade em entrar na escola. Meus irmãos mais velhos já frequentavam,
e eu chorava para ir com eles. Até que o lindo dia chegou. Me lembro de cada
detalhe. O uniforme: camiseta branca, shortinho vermelho com elástico na perna,
meias brancas até o joelho, tênis conga vermelho, mochilinha com todo o
material, lancheira... tudo cheirando a novinho.
Minha alegria foi tanta que descolei da mão da minha mãe
já na esquina da escola, e corri para o portão, eufórica, feliz, realizada. Eu,
enfim, estava na escola. Lembro com grande carinho do cheiro de tinta nova da
pré-escola recém-inaugurada, e o cheiro de flúor que eles nos davam para os
dentes. Lembro da professora afetiva, dos amigos, da turminha bagunceira.
E os anos foram passando, e eu não perdia um dia de aula,
nem quando estava gripada ou com febre, nem doente queria faltar. Minha mãe
colaborava, e dizia que escola é o compromisso da criança, como trabalhar é dos
pais, e não se falta à toa. Eu seguia à risca.
Era CDF mesmo, admito. Estudiosa, fazia minhas lições e
dos colegas. Os trabalhos em grupo adorava fazer em minha casa, minha mãe
também adorava, erámos as perfeitas anfitriãs. Sempre tinha lanchinho da tarde,
carinhosamente preparado com bolo de fubá, pão fresquinho, suco, leite com
chocolate. Era minha realização.
E fui crescendo, amando e detestando alguns professores,
mas respeitando todos, sempre, como me orientava minha mãe. Para ela, professor
era sagrado e estava sempre com a razão, e eu devia obedecer. Essa ordem eu, às
vezes, seguia, às vezes, não, pois adorava argumentar minhas opiniões com os
professores, cheia de razão e opinião aos 9 anos de idade.
Mas, por sorte, tenho memória de muitos mais professores
bons do que ruins. Embora, eu estudasse em colégio público de periferia, tive a
sorte de ter mestres incríveis, idealistas, politizados, românticos,
apaixonados pela educação.
Dos ruins, lembro de poucos, não esqueço uma que amava os Generais
Ernesto Geisel e Garrastazu Médici, em plena ditadura militar brasileira. Só
muitos anos depois, fui entender o quão ilógica era essa admiração dela, mas na
época achava engraçado. Ela era a primeira a organizar a turma para cantar o
Hino Nacional Brasileiro e eu, caxias e inocente como era, adorava entoar nosso
amor à pátria.
E o primeiro beijo, claro, foi em frente à escola. O
primeiro amor de infância também. As primeiras decepções. As grandes
amizades...
Hoje, após tantos anos de estudo, educação infantil,
ensino fundamental, médio, duas graduações e duas pós, sempre sentirei falta da
escola. Sempre, de alguma maneira, estou de volta aos bancos escolares, seja
por um curso de idiomas, uma atualização, uma especialização.
Mesmo já tendo passado para o lado de quem ensina, com
quase 40 anos, ainda sou aquela mesma aluna, atenta ao professor, com sede de
aprender, de conhecer amigos, de fazer parte, de pertencer.
Ainda bem que meus pais não me furtaram disso.