Todos os dias eu a vejo por poucos segundos no caminho do
trabalho. Me intriga o lugar que ela escolheu como casa. O meio fio sem calçada
da saída do Elevado que leva ao Largo do Arouche. Por vezes, temo que,
dormindo, ele role para a pista.
Escolher talvez não seja o termo correto, na verdade, falta
de escolha. Mas, penso: há tantos lugares cobertos, protegidos da chuva e dos
carros. Por que ali? Será mais seguro do ataque de outros moradores de rua, ou
mesmo de policiais ou jovens de classe média que têm como diversão humilhar quem
já perdeu tudo.
Outro dia a vi acordada, sentada em seu cobertor. O olhar alcançava
o nada. Talvez lembrasse um passado dolorido (mais?) ou até mesmo memórias boas
de um tempo que se foi. Seu olhar era tão vazio, que nem sequer pedia socorro.
Terá filhos, netos, irmãos, parentes.... amigos?
Velha e obesa, imagino que provavelmente tenha problemas de
saúde, mas certamente nada pior do que a solidão e a falta de um lar. Terá sido
abandonada? Terá abandonado? Penso que pode ter problemas mentais ou os tenha
quem a observa todo dia como eu e nada faça.
Mas, ontem ela não estava. Só o cobertor permanecia lá. Imagino as milhares de coisas que podem ter-lhe acontecido, inclusive o pior, nada!
Genial, adorei esse texto, essa crônica, esse relato, como quer que se enquadre melhor chamá-lo, mas eu, em certo momento cheguei a imaginar aquilo que você viu para poder escrever depois.
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